No leito de internação, um dispositivo tecnológico é capaz de monitorar a oxigenoterapia de um paciente e de evitar o vazamento do gás medicinal, muitas vezes essencial para a manutenção da vida nesse contexto. Baseado em Internet das Coisas (IoT), o sistema em questão mede em tempo real o consumo e o estoque do oxigênio hospitalar, permitindo uma economia de até 30% do produto.
Chamada ATAS O2, a solução foi desenvolvida pela Salvus, uma startup especializada em tecnologia médica para gestão do homecare e de hospitais. “Se eu diminuo 30% do consumo, eu também reduzo 30% da logística, que são os caminhões que estão por aí andando com cilindros de oxigênio. Conseguimos gerar mais transparência na relação entre o paciente, os fornecedores e a fonte pagadora”, explica Maristone Gomes, fundador da healthtech.
Além do dispositivo para controle da oxigenoterapia, a empresa criou uma plataforma que sistematiza, digitaliza e integra os processos e as informações dos profissionais e pacientes que estão em homecare, chamada de HAI. Com ela, toda a assistência feita ao doente após a alta hospitalar, como relatórios, evoluções e prescrições, é interligada.
“Desocupando um leito hospitalar, você deixa o espaço para um caso mais grave, devolve o paciente para sua família e gera um impacto de aproximadamente 20% de redução de desperdício”, calcula Gomes.
ESG na saúde
A adoção de critérios sociais, ambientais e de governança está cada vez mais presente na agenda estratégica de empresas e organizações. O termo ESG (sigla para ambiental, social e governança, em inglês), mais conhecido do que sua definição em si, foi cunhado em 2004 no relatório “Who Cares Wins” (quem se importa vence, em português), elaborado pelo Banco Mundial em parceria com a Organização das Nações Unidas (ONU) e instituições financeiras de nove países. Os compromissos ESG ganharam relevância com o tempo e hoje a preocupação com esses três pilares é item indispensável para garantir a sustentabilidade de qualquer sistema.
Foi impulsionado por esse pensamento que, há sete anos, Maristone Gomes criou a Salvus. O empreendedor conta que a ideia de negócio surgiu quando ele se tornou pai e levou a avó para morar com a família. Ao utilizar com mais frequência serviços na área da saúde, ele desenvolveu um olhar mais aguçado e crítico sobre o setor.
“Na época, me chamou a atenção um dado da Federação Nacional da Saúde Suplementar (FenaSaúde), que estima que cerca de 30% de tudo que é investido em saúde no Brasil é desperdiçado em ineficiência, seja pelo armazenamento ou pela previsão equivocada. O pior é que quem paga essa conta é a gente”, relembra.
A Salvus está entre as 31 empresas orientadas pela Eretz.bio, a incubadora de startups do Einstein. No espaço, elas recebem a mentoria necessária para desenvolver cada etapa do negócio, desde a fase de maturação até a oferta do serviço ou produto em si.
Órteses do futuro
A startup potiguar Fix It também é acompanhada pela Eretz. Fundada em 2015, a empresa é especializada em impressão 3D de órteses produzidas com plástico termomoldável e biodegradável.
Diferentemente do gesso, os imobilizadores fabricados pela healthtech são mais leves, à prova d’água, não esquentam e, uma vez que possuem como matéria-prima bagaço de cana de açúcar, beterraba e milho, eles se decompõem em uma composteira — sistema de reciclagem de lixo orgânico.
“O gesso não se decompõe. Para ser descartado de forma correta, ele deve ser incinerado. Se o material for jogado em lixões, prejudica a fertilidade do solo. Nos rios, ele polui os lençóis freáticos”, alerta o fisioterapeuta Felipe Neves, fundador da healthtech.
Além de comercializar as órteses, tendo como principais clientes clínicas e hospitais, em 2019, a Fix It passou a vender franquias para profissionais de saúde em busca de escalabilidade no mercado. Dessa forma, cada unidade franqueada pode imprimir órteses 3D de forma independente, de acordo com as demandas e medidas de seus pacientes. No acordo, elas têm de pagar valor tabelado à startup para cada imobilizador vendido.
Tecnologia acessível
Segundo Neves, a Fix It possui 59 franquias em todo país e comercializa em média 1.000 órteses por mês, somando as vendas próprias e as franqueadas. Apesar de o Brasil ser o foco da startup, o empreendedor também já exporta seus produtos para a Espanha, a Bélgica e para os Estados Unidos.
“Não adianta trazer uma inovação que seja para poucos. Ela tem que ser para muitos, tem que ter acessibilidade financeira. Quero algo tão barato quanto o gesso”, afirma o fisioterapeuta.
Assim como a Salvus e a Fix It, a Hefesto, startup que produz órteses 3D a partir do PETG, um termoplástico reciclável, está na incubadora do Einstein. Fundada em 2017 por dois ortopedistas, a empresa adota o conceito da ortopedia 4.0, na qual a Inteligência Artificial (IA) é a tecnologia fundamental para a fabricação das peças.
Segundo Luiz Fernando Michaelis, CEO da healthtech, o aplicativo da Hefesto faz o escaneamento completo do membro lesionado do paciente para que a órtese seja produzida de forma personalizada e traz todos os dados do tratamento indicado pelo especialista. O objetivo é evitar que a pessoa volte ao médico ou tenha de ir ao pronto-socorro.
“A órtese gera mais objetividade ao tratamento porque não sofre modificações. A gente imprime exatamente do jeito que o médico pede. Se você for a dois hospitais diferentes, vai ter gessos distintos. Com a nossa solução, você sempre terá o mesmo produto indicado pelo seu ortopedista”, afirma Michaelis.
Atualmente, a startup comercializa, em média, 70 órteses por mês para clínicas ortopédicas e fisioterapêuticas. “Desenvolvemos a tecnologia desde o escaneamento até a impressão. Colocamos a mão em toda a cadeia e esse é um diferencial”, explica.
Inovação e responsabilidade social
Democratizar a inovação é um dos pilares do ESG, e, na área de saúde, isso significa promover equidade de acesso. “É fundamental que o sistema de saúde faça parte das discussões sobre ESG, mas também seja agente de transformação. É preciso olhar para inclusão social pelo prisma da equidade em saúde”, diz Guilherme Schettino, pneumologista e diretor do Instituto Israelita de Responsabilidade Social (IIRS) do Einstein.
O Einstein tem uma forte atuação no SUS (Sistema Único de Saúde), para onde estende a excelência no cuidado praticada na rede privada. A organização faz a gestão de três hospitais públicos no Brasil – o Hospital Municipal Vila Santa Catarina – Dr. Gilson de Cássia Marques de Carvalho e o Hospital Municipal M’Boi Mirim – Dr. Moysés Deutsch, em São Paulo, e o Hospital Municipal de Aparecida de Goiânia, em Goiás –, além de outras 26 unidades públicas como UBS (Unidades Básicas de Saúde) e UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) na capital paulista. Os números da atuação do Einstein no sistema público superam hoje os do sistema privado em serviços como partos, consultas, pronto atendimentos e atendimentos domiciliares.
“Para nós, o S do ESG tem dois significados: é S de social e S de saúde. Temos um número de leitos hospitalares maior no sistema público do que no sistema privado de saúde. O importante é dar acesso a um atendimento de qualidade, humanizado e com segurança aos nossos pacientes, sejam eles usuários do SUS ou do sistema privado”, afirma o médico.
A promoção do acesso à saúde de qualidade também se dá no desenvolvimento de projetos voltados à melhoria da gestão, ao diagnóstico e ao tratamento em saúde pública por meio do Proadi-SUS (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS). Desde 2009, mais de 100 projetos foram executados pelo Einstein, com dispêndio de cerca de R$ 3 bilhões.
Mas o trabalho com comunidades carentes extrapola a área da saúde. A equipe multidisciplinar do Voluntariado do Einstein também oferece atividades educativas e aulas de reforço escolar para crianças, além de cursos profissionalizantes para quem precisa se recolocar no mercado de trabalho.
Segundo Schettino, o programa oferecido à população de Paraisópolis, comunidade localizada na Zona Sul de São Paulo, existe desde 1998 e já realizou mais de 6 milhões de atendimentos. “Pessoas com mais informação e mais educação têm mais oportunidades de trabalho e sabem cuidar melhor da saúde”, explica.
Preocupação ambiental
O impacto das mudanças climáticas sobre a saúde das pessoas torna ainda mais urgente a adoção de compromissos ambientais pelo setor. Segundo Schettino, esses efeitos são ainda piores para a saúde de idosos, crianças e pacientes com doenças crônicas.
Um estudo publicado na revista científica britânica The Lancet em 2022 aponta que cerca de 9 milhões de pessoas por ano têm a morte acelerada pela poluição ambiental.
“Se a saúde representa 10% do Produto Interno Bruto (PIB), mas eu só contribuo com 5% na emissão de gás e efeito estufa, pode parecer que minha atividade não é muito crítica para o meio ambiente. Mas isso não é verdade, porque 5% ainda é muito. Precisamos tentar reduzir esse indicador”, analisa Schettino.
A exemplo do Einstein, o setor hospitalar tem buscado compromissos cada vez maiores em ESG. O relatório “ESG nos Hospitais Anahp: Resultados e Boas Práticas”, publicado pela Associação Nacional de Hospitais Privados, mostra que o segmento tem avançado em critérios ambientais, sociais e de governança. O estudo aponta que 193 projetos, de 42 instituições associadas, beneficiaram 4,2 milhões de pessoas direta ou indiretamente, sendo que 15,5 milhões ainda devem ser impactadas até 2030.
Os hospitais integrantes da associação já investiram mais de R$ 119 milhões em iniciativas ligadas a educação, saneamento, energia, consumo responsável, combate à fome e sustentabilidade.